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Notas sobre o Marco Legal das Startups e a contratação de soluções inovadoras pelo Poder Público

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Atualmente, as contratações públicas observam as regras da Lei Geral de Licitações e Contratos, a famigerada Lei nº 8.666/93. O diploma mencionado representa uma cultura assinalada pelo legalismo exagerado, pela burocracia nos processos e pela aversão ao risco. Não por menos, a Administração Pública vivencia o indesejado fenômeno do “Apagão das Canetas”, onde a atuação do gestor público é paralisada pelo medo e insegurança em se responsabilizar por um processo instável, de práticas criativas como ocorrem na contratação de soluções inovadoras.

As formas e os procedimentos da atual legislação de compras públicas encaixam-se perfeitamente na aquisição de bens e serviços tradicionais, mas podem ser (e são) um entrave na hora de contratar inovação, sobretudo de soluções de difícil especificação técnica e que evoluem com a utilização dos usuários.

O Marco Legal das Startups (MLS), o PL nº 146/2019 recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, ao seu turno vêm de encontro a esses gargalos, trazendo uma contracultura de incentivo à inovação no setor público e um ambiente de negócios favoráveis ao empreendedorismo inovador. Numa Administração Pública assinalada pela cultura do legalismo, fica mais fácil inovar quando se está na lei.

As contratações, conforme redação do PL nº 146/2019, tem por finalidade a resolução de demandas públicas que exijam solução inovadora com emprego de tecnologia e a promoção da inovação no setor produtivo por meio de uso do poder de compra do Estado.

O direito deve acompanhar os avanços sociais, tecnológicos, econômicos e culturais de uma sociedade. Diante da Revolução Industrial 4.0, surgem novas demandas, novos desafios à Administração Pública que demanda soluções inovadoras na execução de serviços e políticas públicas ao cidadão-usuário, a exemplo do uso da Inteligência Artificial, Big Data e Blockchain

Por outro lado, com um poder de compra equivalente a 10% do PIB, segundo o IPEA, o Poder Público deverá valer-se da licitação como instrumento de indução de políticas públicas à promoção do desenvolvimento do ecossistema de inovação capitaneado pelas startups, assim como já ocorre com as Micro e Pequenas Empresas, desde 2006 com a LC nº 123/2006. Ou seja, o aproveitamento do potencial econômico estatal é um verdadeiro poder transformador que impactará positivamente no fomento ao empreendedorismo inovador como meio de promoção ao ecossistema de inovação.

O Marco Legal das Startups trouxe uma modalidade especial de licitação, algo assemelhando a um Hacktaton, permitindo ao setor público a contratação de testes de soluções desenvolvidas ou a serem desenvolvidas pelas startups. Uma das grandes dificuldades na contratação de soluções inovadoras reside nos riscos atinentes à própria contratação, riscos que os gestores públicos buscam de longe evitar. Assim, o MLS trás a possibilidade de que a contratação seja licitada, com ou sem risco tecnológico.

Nesta modalidade especial de licitação, o proponente, no caso o setor público, poderá apenas indicar na licitação o problema a ser resolvido e os resultados esperados pela administração pública, incluídos os desafios tecnológicos a serem superados, cabendo aos licitantes propor diferentes meios para a resolução do problema.  

O Edital da Licitação será divulgado no sítio eletrônico oficial centralizado de divulgação de licitações ou mantido pelo ente público licitante e no diário oficial do ente federativo, por prazo não inferior a 30 (trinta) dias corridos até a data de recebimento das propostas.

A Licitação será julgada por uma Comissão Especial, por, no mínimo, 3 (três) pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento no assunto, das quais:  

I – 1 (uma) deverá ser servidor público integrante do órgão para o qual o serviço está sendo contratado;

II – 1 (uma) deverá ser professor de universidade pública na área relacionada ao tema da contratação.

Quanto ao terceiro integrante que constituirá a Comissão Especial de Licitação, esse poderá ser servidor público do órgão ou profissional não vinculado ao órgão, desde que possuam conhecimento na área relacionada a contratação, que não seja impedidos ou suspeitos de atuar na comissão (no caso de profissional não vinculado) e que preencham os requisitos do caput do §3º.

A licitação realizada para contratação de soluções inovadoras poderá selecionar mais de uma proposta para a celebração do contrato, desde que exista previsão no edital e esse tenha definido a quantidade de propostas selecionáveis.

Outro ponto importante é a inversão de fases no julgamento dos documentos de habilitação e propostas, ou seja, somente serão analisados os documentos de habilitação das propostas já selecionadas, trazendo celeridade ao processo de contratação, assim como já ocorre no Pregão.

No tocante as condições para habilitação e contratação na hacktaton pública, os licitantes deverão obrigatoriamente observar o disposto no art. 195, §3º da CF, relativo à regularidade junto ao sistema da seguridade social, bem como o órgão licitante poderá, mediante justificativa expressa, dispensar no todo ou em parte os documentos de habilitação exigidos no art. 27, incisos I a IV da Lei nº 8.666/93, ou seja, podendo simplificar as burocráticas exigências previstas naquela lei.

A Administração pública poderá exigir dos licitantes cujas propostas forem selecionadas e contratadas a prestação de garantia. Neste sentido, a garantia a ser exigida observará o limite imposto no art. 56, §2º da Lei Federal nº 8.666/93, ou seja, de 5% do valor da contratação.

Interessante observar que nesta nova modalidade de licitação prevista no MLS, o preço não será o único critério de julgamento para seleção das propostas, a exemplo do potencial de resolução do problema pela solução proposta e, se for o caso, da provável economia para a administração pública, o grau de desenvolvimento da solução proposta e a viabilidade e a maturidade do modelo de negócio da solução.

Ressalta-se que os critérios de julgamento das propostas previsto no §4º não são taxativos, mas exemplificativos, podendo a Administração Pública definir outros em edital. Neste sentido, é salutar que o gestor público faça constar no instrumento convocatório a motivação para o emprego destes outros critérios.

O §9º do art. 13 prevê que após a fase de julgamento das propostas, a administração pública terá possibilidade de negociar com os selecionados as condições econômicas mais vantajosas para administração e os critérios de remuneração. Ainda que os preços negociados estejam superiores à estimativa realizada, a administração pública poderá aceitar o preço ofertado.

Para que os preços superiores à estimativa e ofertados pelas licitantes sejam aceitos pela Administração Pública, a autoridade competente deverá apresentar justificativa expressa, baseando-se na demonstração comparativa entre o custo e o benefício da proposta e desde que seja superior em termos de inovações, de redução do prazo de execução ou de facilidade de manutenção ou operação, limitado ao valor máximo que se propõe a pagar. 

Ao tratar das contratações públicas de soluções inovadoras, o Marco Legal das Startups apresenta uma visão mais principiológica, com diretivas, ao invés de editar-se normas taxativas às contratações de soluções de inovação. E a posição do legislador adotada neste novel não poderia ser diferente, uma vez que uma lei excelente hoje pode se tornar obsoleta amanhã, diante da enorme velocidade das transformações tecnológicas.

Por Edimário Freitas Andrade Júnior

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